Wednesday, April 23, 2008

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Bom proveito!

Saturday, February 02, 2008

Trabalho de análise de livro de banda desenhada. Blacksad, por David Horta

No quadro dos trabalhos individuais escritos da Unidade Curricular Abordagem Histórica da Banda Desenhada e Ilustração, com alunos do 1º ano das licenciaturas de Banda Desenhada e Ilustração e de Multimédia da Escola Superior Artística de Guimarães, os alunos foram convidados a escolher uma obra de banda desenhada como bem entendessem, e depois apresentar um trabalho escrito em que explorassem alguns dos pontos estudados nas aulas, mas cruzando-os com a sua própria cultura, e, acima de tudo, tentarem dar uma perspectiva pessoal (elemento importante numa abordagem crítica). Foram alguns dos trabalhos muito bem conseguidos, mas dos recebidos até agora este destaca-se pela qualidade da abordagem e algumas leituras francamente pessoais, mas o mais importante, muito bem fundamentadas. Dado isso, resolvi colocar aqui o texto do aluno David Horta, acompanhado com algumas imagens ilustrativas do seu estudo. Espero que isto sirva de incentivo ao continuado trabalho de todos os alunos, assim como de outros leitores que tenham apetências de escrever sobre banda desenhada.
Comentários serão bem-vindos!
Trabalho de análise de Blacksad: Algures entre as sombras
Introdução

A obra de banda desenhada sobre a qual este trabalho se debruçará é Blacksad: Algures entre as sombras, trabalho de dois autores espanhóis, Díaz Canales e Juanjo Guarnido, respectivamente argumentista e desenhista.
Blacksad segue as desventuras de um gato detective do mesmo nome, num mundo de animais antropomórficos, numa América de meados dos anos 40-50, ao bom estilo do film noir. Um dos factores inovativos, quiçá, seja o facto de incluir personagens que são animais, em situações adultas de violência, sexo, e tudo o que se possa esperar de um filme policial, num ambiente realística e intricadamente concebido e desenhado, indo totalmente contra o ambiente infantil e simplista ao qual estamos habituados a ver personagens-animais. Ironicamente (ou não!), Guarnido é animador na Disney, o que obviamente influenciará o seu trabalho em Blacksad.
Contudo, apesar de ser um empreendimento de sucesso esmagador até agora, especialmente em França (onde é originalmente publicado, ultrapassando a venda de 200 000 exemplares), é constituído por 3 volumes apenas, sem contar com um volume extra que é uma espécie de “atrás dos bastidores”, com comentário e entrevistas dos autores, assim como vários trabalhos inacabados e/ou não aproveitados.
Nota técnica: título original: Blacksad. Quelque part entre les ombres...; editado e distribuído em Portugal pelas Edições Asa.
Resumo da obra
A obra começa com Blacksad, mais o seu colega Smirnov, na cena do crime, a saber, a de um assassinato de uma mulher, que logo de seguida, através de flashbacks, ou analepses, em bom português, nos é revelado ser na verdade amante de Blacksad, o que é importante, pois haviam mantido uma relação bastante, na falta de melhor palavra, romântica, mas ao mesmo tempo bastante “normal” entre os dois, acabando inevitavelmente no fim amargo da separação.
De seguida, Blacksad, como qualquer detective hollywoodesco que se preze, embarca na demanda de descobrir o assassino da sua velha amada, embora tenha sido expressamente “aconselhado” a manter-se fora do caso. Começa por visitar Jake, um gorila boxeur seu velho conhecido que ele próprio havia recomendado como guarda-costas a Natalia, a vítima do assassinato, e arromba o escritório do seu último amante conhecido em busca de pistas.
Após conseguir pistas vindas da mulher-a-dias e do patrão do tal amante, que aparentemente anda desaparecido, Blacksad consegue descobrir que um estranho lagarto está, suspeitamente, metido ao barulho, que mais não fosse pelo facto de ser rapidamente descoberto pelo próprio Blacksad, que tenta matar, sem sucesso.
Observamos o lagarto a ser repreendido pelo que entendemos ser o seu chefe, que indirectamente ameaça matá-lo caso o mesmo continue a falhar nas missões a si incumbidas. O lagarto retira-se, e o patrão manda um lacaio para o seguir e recuperar um certo embrulho, que mais tarde vimos a saber ser uma importante peça deste puzzle. Retirando-se para um bar frequentado por répteis, o lagarto busca o tal embrulho e retira-se, deixando o outro lacaio (um mangusto, ao que parece) na ponta desconfortável de uma grande tensão racial no núcleo do bar.
Blacksad, frequentando o bar que veio a saber ser frequentado pelo tal amante (segundo pistas no apartamento), conhece um rato que promete levá-lo ao amante, de nome Léon, que tanto procura. Acaba por ser levado para um cemitério, vindo a descobrir que Léon era apenas um anagrama do verdadeiro nome do amante, que se encontra escrito na campa. Nesse mesmo local é brutalmente espancado por dois brutamontes, claramente contratados.
No rescaldo do espancamento, Blacksad encontra-se com Smirnov de novo, que o apela a achar e “eliminar” o dito assassino de vez, prometendo usar o seu poder no braço da lei para o ilibar, caso Blacksad seja vitorioso em tal tarefa. Regressando a casa, Blacksad encontra novamente o lagarto, que o ameaça de arma em riste, revelando inclusive que o tal embrulho era a arma que foi usada para assassinar Léon. Contudo, acaba sendo baleado pelo mesmo rato, escondido na escada de incêndio, que levara Blacksad até à tal campa, e que acaba também morto no tiroteio que se segue.
Nos seus últimos suspiros, o lagarto acaba por revelar a história toda atrás do assassinato de Léon e Natalie: ela havia cometido o erro de ser demasiado promíscua, especialmente enquanto estava envolvida com o chefe do lagarto, de nome Ivo Statoc, de se relacionar com Léon, inevitavelmente assassinado por Ivo, tal e qual Natalie, numa acção totalmente vingativa. Ivo teria descoberto esta infidelidade devido ao tal rato, que fora incumbido de vigiar Natalie.
Blacksad, naturalmente, dirige-se ao encontro de Ivo, grande magnata de poder monetário e social, aproveita para se vingar dos capangas que o espancaram, e, após tentativas de suborno e longos jogos psicológicos, Blacksad acaba por ceder à provocação final de Ivo e baleia-o, fatalmente.
De volta à esquadra, Smirnov cumpre com o prometido e iliba Blacksad totalmente, e, num toque ligeiramente humorístico, faz toda a culpa recair sobre os tais capangas, que desesperadamente acusam Blacksad e de estarem a ser completamente tramados no meio disto tudo.
Após uma breve e filosófica troca de palavras com o pastor alemão Smirnov, Blacksad afasta-se na distância, dando fim à história.
Análise Geral da Obra
Nesta obra, Blacksad. Algures entre as sombras, o formato gráfico é convencional até certo ponto, digamos, pois apesar das vinhetas serem todas lidas de forma bastante regular, e todas em forma de polígonos rectângulos, o número de vinhetas em cada página, por exemplo, varia bastante, normalmente entre 9 a 4, contendo uma única splash page em todo o livro. As vinhetas variam bastante entre predominantemente horizontais ou predominantemente verticais, a quadrados perfeitos. Não existem vinhetas redondas ou com arestas curvas, e em ocasiões bastante raras vemos o efeito “vinheta dentro de vinheta”.
No que toca a concepções da prancha, podemos dizer que esta obra roça tanto o convencional e o retórico, tal como o decorativo e produtor na relação de texto/imagem, contendo sequências bastante fortes em diálogo, tal como sequências sem diálogo algum. Contudo, existe um forte elemento narrativo, sendo o narrador homodiegético interno, visto tratar-se do próprio Blacksad, não fosse esta uma história policial em estilo noir. Desse modo ficamos a par muitas vezes daquilo que se vai passando dentro da cabeça do herói, assim como que o seu estado de espírito e opinião perante as várias peripécias em que se vê envolvido no enredo da história.
Em termos de aspecto visual, a história, como referido atrás, revolve à volta de um mundo de animais antropomórficos, mas apesar desse facto, o estilo da arte é bastante realista e detalhado, verdade seja dita, estilizado q.b., mas não obstante, produto de desenho muito trabalhado, mais notavelmente em pequenas acções e atitudes das personagens nada relevantes à história ou acção em geral, mas puramente para as fazer parecer muito mais humanas e ‘reais’, quiçá. Igual referência merece o trabalho posto nos cenários, que muitas vezes são negligenciados, mas aqui parece que os autores os põem em foco, enchendo-os de objectos, sujidade, figurantes e tudo o mais, criando a ilusão de um mundo que vive, se mexe e continua a viver independentemente da linha de acção sobre a qual a história em foco recai, quase nos dando a ilusão de estarmos perante um filme. Outra grande ajuda para este factor são as cores. Claramente de realização tradicional, o que instantaneamente nos vem à cabeça é a aguarela e as suas cores esbatidas, artefacto usado e abusado nesta obra para ilustrar a acção e subsequentes estados de espírito daqueles envolvidos. Inteiramente, ou quase inteiramente, a cor é na sua maior parte à base de castanhos, cinzentos e negros, cores esbatidas, térreas e de aspecto velho, quase de certeza para adicionar ainda mais ao tal efeito noir , e possivelmente um efeito vintage, visto que a acção se passa cerca de meio século no passado americano.
A obra também gosta de “brincar” bastante com ângulos de câmara, usando bastante vistas panorâmicas dos quartos e sítios onde as personagens se encontram, nem que seja apenas para dar a conhecer aos leitores as imediações do sítio onde a acção corrente se desenrola. Ângulos picados e contra-picados também são usados, notavelmente um ângulo directamente de cima é usado uma mão-cheia de vezes, quando os arredores do personagem são essenciais para estabelecer o “ambiente” da acção. O grande plano é outra das estratégias mais usadas, especialmente em cenas de acção, para acrescentar ao dinamismo dos acontecimentos, obrigando o leitor a focar o olhar nos elementos mais relevantes e imediatos.
Para exemplificar melhor estas características da obra, uma análise por alto por pontos estilísticos visuais relevantes da obra está obviamente em alta: nas primeiras páginas, a cena do crime. Logo na primeira página temos em grande plano a vista do cadáver, que obviamente se torna na personificação do olhar dos restantes personagens, ou seja, levando o leitor a entrar na pele dos protagonistas, facto mais evidenciado quando o painel seguinte mostra os dois ditos personagens de olhos esbugalhados encarando o cadáver. Um diálogo entre os dois logo de seguida é ilustrado efectivamente focando primeiro um com o outro no fundo, e vice-versa.
Seguidamente, encontramos Blacksad no seu escritório a meditar, começamos com uma vinheta ilustrando o seu escritório, atulhado de coisas, tal como referido previamente, sem o protagonista visível. Na próxima vinheta, um dos tais ângulos directamente de cima é usado, mostrando a confusão interminável do escritório.
Na seguida cena de analepses, as cores são notavelmente mais claras, menos sombrias e sérias, talvez influenciado pelo facto de uma página inteira se passar num florista, havendo uma interessante estilização e transição para a página seguinte. Aproveitando o tema das flores, Blacksad e a sua antiga amante beijam-se e acariciam-se apaixonadamente, ao mesmo tempo em que se encontram rodeados de flores, contudo, flores estas que sem dúvida não existem no mundo físico dos personagens, mas apenas estão lá para transmitir ao leitor a natureza romântica e amorosa da situação e da dita parte da analepse. Uma metáfora bastante inteligente usada ainda na cena do flashback, é a de uma rosa ser vista murcha e morta, com pétalas a cair, paralelamente ao romance de Blacksad e a sua amante, de quem se acaba de separar.
Outro pequeno aspecto merecedor de menção, acontece algumas páginas à frente, na cena em que Blacksad confronta o antigo chefe de Léon, o ultimo amante da mulher assassinada. Conseguimos ver um balão com figuras que compreendemos ser palavrões ditos pelo locutor do dito cujo, e por baixo um casal com ar chocado a olhar na direcção em que o balão vem, e na vinheta seguinte (para os menos atentos, visto na vinheta anterior o casal ter uma série de letras ao nível das suas pernas) descobre-se que o casal não passa de uma ilustração num poster atrás do personagem profanador.
Avançando mais umas páginas, encontramos outra situação que se torna num paralelismo com filmes, mais uma vez. Na cena em que o lagarto fala com o seu chefe, o chefe é um personagem misterioso com a cara oculta ou na sombra ou com luz intensa ofuscante, isto quando o simples foco da câmara não está a mostrar simplesmente as suas mãos extremamente expressivas, como na maior parte das vinhetas presentes. Isto tudo é uma forma eficaz de manter o suspense ocultando a verdadeira identidade da personagem.
Numa próxima cena, a do bar, as três primeiras vinhetas usam a velha técnica de começar com um grande plano, e progressivamente afastar a “câmara”, para progressivamente revelar mais pormenores, sendo as duas seguintes vinhetas completamente descritivas do bar em que Blacksad se encontra, e talvez até de uma vista directamente de dentro do ponto de vista do personagem. Outra particularidade interessante desta sequência é a de dois personagens recorrentes durante a mesma, uma chita e um babuíno que discutem, sendo vistos em três vinhetas, apenas em primeiro plano numa delas, encontrando-se nas outras num simples segundo plano, dando mais uma vez a vislumbrar este tal mundo que se movimenta independente à história principal.
Uma segunda óptima metáfora visual que merece menção é a do cemitério, umas páginas à frente, em que o personagem, em grande plano, diz no seu papel de narrador, “eu estava condenado”, ao mesmo tempo que vemos, no segundo plano, uma sombria estátua da Morte, com a sua foice numa posição ameaçadora, apontando para o nosso herói, momentos antes deste mesmo ser violentamente espancado.
Na cena em que o lagarto entra na casa de Blacksad, briga com o mesmo e acaba por confessar tudo no seu leito de morte ensanguentado, vislumbramos uma analepse em que as suas imagens são completamente tingidas a vermelho, um bom modo de enfatizar a natureza violenta e sangrenta deste episódio recontado, ou talvez até de referir o facto de o interlocutor destas memórias estar ele mesmo numa poça de sangue com a substância vermelha a pingar da sua boca, e, metaforicamente, talvez a tingir as suas próprias palavras que ilustram a analepse em questão. Logo de seguida temos um dos já referidos planos extremamente picados, com Blacksad deitado no sofá, a fumar, com o cadáver pelos pés, tornando visual toda a confusão causada pela luta prévia, como que uma alegoria ao facto que toda a acção tem as suas consequências.
E prontamente de seguida, temos o clímax final, a cena em que o protagonista finalmente enfrenta a pessoa por detrás de todos estes assassinatos. Nestas páginas há grande ênfase nas expressões faciais e a sua focagem é constante, apenas brevemente interrompidas para fazer claro à presença da arma que Blacksad empunha contra o vilão. Temos a “câmara” a saltitar de cara para cara, tornando claro o facto que estamos a assumir o ponto de vista de cada respectivo personagem assim que passamos de vinheta para vinheta.
Após o vilão morto, vemos na última vinheta da página uma vinheta sem contornos, constituída apenas de folhas amareladas esvoaçando, uma maneira de transição do escritório da acção anterior para a rua delineada de árvores de folha caducas acastanhadas, inclusive uma das folhas da vinheta anterior é ainda vista a esvoaçar em primeiro plano, atrás de Blacksad.
E por fim, na última vinheta temos um minuciosamente desenhado plano afastado duma das avenidas da cidade, por onde o protagonista se afasta, enquanto realiza uns comentários sobre os lados negativos do mundo, e a parte em que por ele se resolveu enredar, a vinheta pela imagem e o texto em conjunto, claramente ilustra o mundo, que sem dúvida esconde muitas mais histórias obscuras tal como aquela para a qual fomos espectadores.
Apreciação Pessoal
A minha apreciação pessoal desta obra no geral pode-se considerar bastante positiva, se bem que com um ou outro ponto negativo.
Ora, começando pela arte em si, que a nível pessoal é algo bastante importante, considero que por muito bom enredo que uma história tenha, se tiver arte que deixa muito a desejar, será provavelmente ignorada, visto que é a arte a primeira coisa que salta à vista, e, em contrapartida, uma obra com escrita terrível, mas com arte fantástica, pode ainda ser agradável, nem que seja para o velho “olhar para os bonecos”. Os cenários são renderizados até ao mais ínfimo dos pormenores, dando uma ideia bastante boa do mundo que rodeia os personagens, e os personagens em si são optimamente desenhados, ainda mais tendo em conta que são animais antropomorfizados, criando ainda mais um obstáculo para o artista. Contudo, creio que tal desafio foi encarado de forma habilidosa, tendo os animais sido dotados de uma expressividade bastante humana e de fácil leitura, sem dúvida um resultado bastante agradável a meu ver. Porém, uma das coisas que me incomodou, foi o facto de as mulheres (pelo menos a maior parte, salvo excepções de personagens fêmea “assexuadas”) serem demasiado antropomorfizadas, contendo principalmente uma cara humana com nariz e orelhas de animal, resultado este que, na minha opinião, destoa bastante com o resto dos personagens e cria um efeito bastante inestético. O facto de apenas um número muito selectivo de personagens ter cauda independentemente do animal ter ou não cauda também foi algo de negativo, creio que quebra um bocado com o que os autores talvez estejam a querer alcançar com toda esta ideia dos “animais que falam”.
No que toca a outros aspectos visuais, a escolha de diferentes ângulos de “câmara”, a imensa expressividade corporal dos protagonistas e demais figurantes está imensamente bem conseguida, assim como todo o look noir já atrás tantas vezes referido. Bastantes metáforas visuais são pontos a favor sem dúvida alguma.
A nível de cor, a aguarela funciona bastante bem, a qualidade da pintura em si não tem alguma queixa de mim, sendo bastante bem conseguida, assim como a palete de cores escolhida, creio, é adequada a cada situação. Algumas pessoas poderiam discordar de mim dizendo que em termos de cor os personagens mal se destacam do fundo e que isso cria um efeito visual confuso e desagradável, mas eu discordo, creio que isso apenas torna todo o universo da obra mais orgânico, real e semelhante a um filme, que é sem dúvida o que os autores estavam a tentar conseguir.
A nível do argumento... É aqui que entram a maior parte dos pontos fracos a meu ver. Não discordo que seja uma história solidamente construída, porém, está a transbordar de clichés vistos durante décadas em todo o tipo de filmes policiais americanos, desde o detective privado rebelde que tenta desesperadamente vingar a morte de uma amante, aos filosofares pessimistas e amargos sobre o qual o mesmo se debruça enquanto narrador da acção. Digamos que é uma história bastante linear seguindo uma fórmula já há muito desgastada pelo uso.
Contudo, o meu parecer leva a uma nota alta, nem que seja apenas pelo alto nível artístico, sobretudo pela ideia de usar animais, que assumidamente seriam apenas vistos em situações infantis em mundos de contos de fadas, mas aqui inserindo-os num policial sangrento.
David Horta, Janeiro de 2008

Tuesday, January 16, 2007

As transições entre vinhetas, segundo McCloud.

Um dos outros livros que abordam a banda desenhada de um modo geral mais badalados é o do autor americano Scott McCloud, Understanding Comics. The Invisible Art (1994). Haveria muito que falar deste livro, que tem aspectos muito positivos e muito avançados em relação à esmagadora maioria dos livros que abordavam a banda desenhada enquanto linguagem. Talvez os dois livros anteriores ao de McCloud dessa família seriam os de Will Eisner (Comics & Sequential Art e Graphic Storytelling), mas esses eram mais versões mais interessantes e inteligentes de um manual de técnicas de banda desenhada, do que uma análise cuidada das suas especificidades de um ponto de vista teórico. Todavia, quanto a mim, o livro de McCloud apresenta, precisamente dessa perspectiva mais teórica e balizada, alguns problemas. Vejamos dois.
É estranho, por exemplo, que o autor cite David Kunzle, mas no primeiro capítulo faça precisamente os erros de perspectivação ahistórica que o historiador apontara: não vendo as especificidades dos modos narrativos (ou outros) dos exempla que vai mostrando, alheio a um trabalho de antopologia estética, vai empilhando exemplos para provar a antiguidade desta “potência” da banda desenhada...
Outro: as mais das vezes, McCloud não apresenta exemplos retirados de outras obras para justificar as suas ideias sobre a banda desenhada, mas antes cria exemplos ad hoc para provar essa sua perspectiva.
Seja como for, concentrar-nos-emos brevemente num dos pontos-chave de McCloud. No capítulo três, logo após a ideia de que existe uma “terceira imagem” entre as duas vinhetas – ideia com a qual não concordo em absoluto, mas deixarei para outra ocasião a discussão -, isto é, precisamente a grande tese de McCloud, que a “arte invisível” da banda desenhada decorre nesse espaço intervinhetal, o autor passa a explicitar os modos de passagem. Mostro aqui o esquema que ele próprio apresenta (pg. 74).
Se no exercício de Groensteen, este autor francês insistia no papel “gramático” das transições intervinhetais, procurando sublinhar dessa forma a continuidade da linguagem possível (mas nunca se fechando a possibilidades várias, até mesmo inéditas), McCloud procura tipologizar essas mesmas transições a partir de uma perspectiva diferente, mais rígida, mas tentativamente mais universal. O problema dos exemplos ad hoc coloca-se desde já, mas é sobretudo na última “categoria” que o problema se acirra. Em defesa de McCloud, porém, diga-se que ele próprio afirma o seguinte: “este tipo de categorização é, na melhor das hipóteses, uma ciência inexacta, mas se utilizarmos a nosa escala de transições como uma ferramenta... começaremos a deslindar alguns dos mistérios que rodeiam a arte invisível da narratividade da banda desenhada (comics storytelling)!” Estilo bombástico, sem dúvida, mas deixando-nos a possibilidade de contestar.
Os tipos são os seguintes: 1º, de momento a momento; 2º, de acção a acção; 3º, de objecto a objecto; 4º, de cena a cena; 5º, de aspecto a aspecto; 6º, non-sequitur (isto é, “não segue”, não tem sentido).
Em relação ao tempo: os três primeiros tipos de transição são necessariamente associados a uma transitoriedade linear e progressiva do tempo (apesar de talvez ser possível pensar num “rewind” no caso dos dois segundos). Os seguintes, não, podendo dar conta de acontecimentos simultâneos, ou a vinheta “seguinte” apresentar momentos anteriores à primeira apresentada.
Em relação ao espaço: os dois primeiros têm de estar associados à mesma personagem ou agente da acção; a transição de objecto a objecto (“subject” deve ser entendido como “objecto de atenção”, não como “sujeito de acção) tem de estar no interior de uma mesma cena, mas podendo dar a possibilidade de abarcar várias perspectivas de um mesmo acontecimento, ou várias acções num mesmo ponto do tempo; as seguintes podem estabelecer os seus territórios o quão desligados uns dos outros quanto puderem e quiserem.
Em relação à “construção” do leitor: de acordo com McCloud, o leitor “preenche” esse espaço intervinhetal – como disse, não concordo com a ideia de “preenchimento”, demasiado gestaltista, mas antes numa participação da memória do leitor e numa virtualização (pensamos isto e aquilo) total existente, de facto, entre as duas vinhetas, actuais (o que lá está). Segundo essa perspectiva, a construção dos dois primeiros tipos não é muito problemática, é quase dada; no caso da transição de objecto a objecto, a relação é necessariamente estabelecida pelo envolvimento do leitor; no caso da transição de cena a cena, é necessário um trabalho maior de “razão dedutiva”, para que se possa entender qual a relação (de tempo, de espaço, de acção, etc.); no quinto tipo, associa-se antes a uma ideia do “olho vagueante sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia ou ambiência”, não sendo necessária ou importante a relação de “progresso” espacial ou temporal; finalmente, teríamos a non-sequitur, na qual “não há, de modo algum, qualquer relação lógica entre as vinhetas!”
A única transição que me parece mais duvidosa, se não mesmo inexistente (e o próprio McCloud o corrobora), é a da non-sequitur. No seu livro, e na continuidade dos seus exemplos ad hoc, ocupa uma página com meia-dúzia de disparates para provar a ideia de que há “uma alquimia que funciona no espaço entre as vinhetas que nos pode ajudar a encontrar significados ou ressonâncias até na mais discordante das combinações”. Disse disparates porque é precisamente isso: por um lado, o que ele quer mostrar são as disparidades possíveis quando emerge a combinação aleatória, mas também, por outro, porque, fora de um contexto maior, de um propósito unificado narrativo (ou para-narrativo), não podemos de maneira alguma apagar esse non-sequitur. No exemplo mostrado nesta barra final, vemos um Nixon vitorioso, com fitas atrás, e depois o que parece ser um pastiche de arte abstracta, um “Léger Apicassado”... Mas porque é que isso não teria lógica numa história, imaginemos, passado em 1974, em que a notícia do caso Watergate despoleta uma crise existencial e criativa junto a um pintor? Já teríamos a nossa relação lógica narrativo-sequencial, e então passaríamos a estar perante uma transição de cena a cena ou de aspecto a aspecto (Nixon visitava a galeria), ou até de objecto a objecto (mesma situação, uma personagem dividindo o olhar entre um e outro).
Mais uma vez, como no caso das pranchas de Peeters, esta tipologia de transições intervinhetais é um bom ponto de partida para um estudo mais analítico da banda desenhada.

Uma tipologia das pranchas, segundo Peeters.

Um outro livro importante, publicado no espaço francófono, sobre a banda desenhada (e anterior ao de Groensteen) foi o Case, Planche, Récit (trad. “Vinheta, prancha, narrativa”, de 1998; aqui o livro apresenta-se na sua versão “de boslo”, de 2002) de Benoît Peeters (famoso autor, com o artista François Schuiten, da série As Cidades Obscuras). Este livro apresenta várias lições, importantes, mas concentrar-nos-emos no capítulo 2, “As aventuras da página”, uma vez que ele é discutido em algum pormenor por Groensteen.
Nesse capítulo, muito simplesmente, Peeters apresenta quatro tipos de pranchas, que na verdade poderemos ver mais como quatro “usos” que se podem dar à prancha, ou quatro “princípios” de construção das pranchas. Essas concepções são regidas no cruzamento de dois eixos: a relação entre a narrativa (récit) e a imagem (tableau), e a dominância de um aspecto sobre o outro, ora a narrativa ora a imagem... retomando assim uma discussão anterior de que a banda desenhada permite precisamente uma leitura narrativa, linear, literária (a sua faceta de legibilidade) e uma leitura tabular, enquanto visualidade, quadro, conjunto organizado de imagem, etc. (a sua faceta de visibilidade).
Assim chegaremos a quatro concepções.
1ª - a prancha convencional.
É óbvio que o autor tece algumas considerações gerais, de ordem sociológica e histórica, sobre as limitações apresentadas aos autores noutros momentos (por exemplo, os anos 60 e as revistas periódicas de banda desenhada franco-belgas), explicitando parcialmente o espaço próprio e até a consciência dos autores em relação a essas mesmas limitações. Não obstante, o que Peeters faz é apresentar de facto esta tipologia, esperando assim construir um ponto de partida que seja pertinente, do ponto de vista formal, para investigações posteriores. Em relação a este uso, Peeters aponta aquelas pranchas que se apresentam com um número regular de vinhetas, usualmente ou do mesmo tamanho ou múltiplas de uma unidade maior [como se vê neste exemplo do Buck Danny de Hubinon, em que em cada prancha temos uma vinheta que ocupa espaço de duas das menores e outra de quatro]. Como Peeters explica, este "convencional" nada tem de juízo de valor, apresentando-se antes como uma descrição literal do trabalho, uma vez que essa regularidade, à força de repetida, se torna "invisível" na leitura. Estamos, obviamente num campo onde é a narrativa que domina sobre a imagem, mas a sua relação é autónoma, levando a um efeito quase neutro dessa simbiose possível.
2ª – a prancha decorativa.
Neste tipo de prancha, é literalmente que salta à vista a predominância da imagem, uma vez que toda a prancha pode ser lida como um quadro unitário, de certa forma sublinhando não só a autonomia entre a imagem e a narrativa, como a emancipação da primeira em relação à segunda. [depreende-se de imediato desta prancha de Philipe Druillet] Peeters diz que neste tipo, há “um fascínio pela pintura” (que mima, de certa forma). Na maior parte dos casos, não é difícil imaginar que o autor lance um esboço de um desenho que reja toda a página, ou que a ocupe (um rosto, digamos), passando depois à distribuição das vinhetas ou dos vários momentos da acção que pretende representar.
3ª – a prancha retórica.
Nos dois casos seguintes, já não existirá uma autonomia tão grande entre a narrativa e a imagem, mas uma procura pela interdependência, ainda que se mantenham níveis díspares de domínio de uma sobre a outra. Neste caso particular, é novamente a narrativa que estará a comandar a construção da prancha: e as vinhetas, enquanto “unidades”, adaptar-se-ão às necessidades da diegese, retratando quase a própria acção que encerram. [o exemplo indicado por Peeters é esta prancha de Hergé, da série do Tintim, As Jóias de Castafiore, apontando sobretudo para as ª, 10ª e 11ª vinhetas, nas quais elas se vão progressivamente abrindo para dar conta da escorregadela da personagem Nestor] A este uso, notar-se-á em resultados expressivos, nos quais os dispositivos formais da banda desenhada, por mais inventivos que sejam, inovadores, etc., estão ao serviço da história que se deseja contar, e tudo existirá para esse fim. Essa é uma das razões pelas quais os álbuns do Tintim, quer se goste ou não, quer se julgue algo desajustados a um mundo demasiado entregue à contemporaneidade ou não, são de uma legibilidade incrivelmente fácil...
4ª – a prancha produtora.
Finalmente, invertendo-se aqui o domínio para o da imagem, temos o caso em que é a imagem, o princípio que o autor tenha decidido como instigador da prancha enquanto unidade “tabular”, visual, que exercerá influência sobre a história a contar, são essas opções do visual que farão pautar, em primeiro lugar e acima de tudo, o que se contará nela. [Peeters dá vários exemplos, entre os quais esta prancha do Little Nemo in Slumberland, de Winsor McKay, de 2 de Fevereiro de 1908: se olharmos apenas para a forma das vinhetas, notaremos que se trata de uma “escada”, em que a cada “fatia horizontal”, vistas da esquerda para a direita, a de cima vais crescendo onde a de baixo diminuí; no entanto a leitura é feita de um modo mais linear, da esquerda para a direita as quatro de cima, e depois as de baixo; os corpos das personagens, além de se adaptar ao tamanho das vinhetas através das anamorfoses a que são sujeitos ao atravessar o Hall of Mirrors; se começa este episódio numa leveza do sonho, já Nemo acorda no fim sob o peso do pesadelo] Peeters aponta para o facto de que este uso, apesar de tudo, é menos cultivado do que os outros três, sobretudo em obras de maior fôlego (isto é, pensadas de imediato enquanto livro); mas sublinha o seu aspecto criador. Apesar desta tipologia não se revelar enquanto uma hierarquia, é muito fácil depreender que, segundo Peeters, é o uso produtor que é o mais interessante, já que se trata da solução de busca por soluções gráficas que ajudem à construção da narrativa, procurando ser assim a forma mais acabada de ser banda desenhada.
Para além de...
De modo nenhum Peeters deseja que este pequeno sistema seja absolutamente rígido, mas apresentando-o enquanto tal, leva-nos a perguntar se funcionará sempre, se não será possível encontrar exemplos em que concorram mais que uma tipologia (o que parece impossível, de acordo com o cruzamento dos eixos)... É o que Groensteen faz, colocando em questão essa tipologia (v. o seu livro, pgs. 110 e ss.). Apenas como uma forma muito reduzida de ilustrar essas dúvidas e críticas, veja-se esta história completa em duas pranchas do artista espanhol Frederico del Barrio: consideraremos estas pranchas como convencionais, já que apresentam uma regularidade do tamnho e formato das vinhetas em cada prancha? ou decorativo, já que o total das pranchas estabelece uma indubitável relação visual, quer em termos de forma, de cor, e até a colocação da personagem que vai envelhecendo e movendo-se na "margem da praia", desenhando um V da sua própria "vida" que decorre?, ou ainda, um uso retórico, já que se atentarmos às duas "metades" dessa vida retratada, a posição/formato das vinhetas se adapta a uma certa ideia de velocidade e obstáculo sentido nessa marcha?
Tal como muitos outros, a tipologia de Peeters é um excelente ponto de partida para, de facto, depois de nele estar, nos afastarmos dele...

Monday, January 15, 2007

O Sistema da Banda Desenhada.

Como vimos, é no interior das vinhetas que se inscrevem os vários signos que ocorrem na banda desenhada. Como também foi indicado anteriormente, poderemos, portanto, dizer, que são as vinhetas (ou “quadradinhos”) as “unidades mínimas de significado”. O autor que me pauta neste passo é sobretudo Thierry Groensteen, destacando-se a sua obra seminal, Le Système de la Bande Dessinée (de 1999): a “imagem BD (a vinheta) é fragmentária e integrada num sistema de proliferação” (pg. 6). É ela que nos permitirá aproximar de uma possível “linguagem da banda desenhada”, ainda que aqui se deve entender linguagem como um “conjunto original de mecanismos produtores de sentido” (mas não como um código; v. abaixo). E uma vez que a preocupação primeira que seguiremos aqui não é propriamente sociológica, mas sim ontológica, é a partir da estruturação e relação entre as vinhetas que deveremos construir o nosso entendimento da banda desenhada.
Não obstante essa eleição, é preciso não deixar de ter em contra que as vinhetas já são, em si mesmas, complexas, uma vez que integram elementos icónicos, simbólicos, plásticos. Houve autores que tentaram ver nesses elementos unidades menores e analisáveis enquanto parte de uma linguagem. Porém, o tipo de relações (articulações) que esses elementos estabelecem entre si são infinitos e não poderão jamais ser inteligíveis enquanto um sistema fechado e passível de ser mapeado ou simplificado numa qualquer gramática. Existirão tradições, usos correntes, práticas comuns, sem dúvida – por exemplo, um ponto negro para “olhos”-, mas isso não implica um sistema, e não tem qualquer diferença de qualquer outra prática cultural humana. Ainda assim, poderemos entender que, havendo um significado icónico (“pessoa”, “cão”, etc.), esses mesmos elementos poderão ser considerados “sub-entidades”, para utilizar um termo do Grupo μ, autor colectivo do Traité du signe visuel, a maior tentativa de estabelecer um sistema semiótico do visual. Aliás, são eles que explicam de um modo cabal e directo a diferença entre um sistema e um código, o que ajuda a entender o título do livro de Groensteen: “um sistema é um conjunto de valores estruturados sobre um só plano (exemplo canónico: /verde/-/vermelho/ no caso do código da estrada). Um código é a relação termo a termo de oposições que estruturam sistemas de planos diferentes (o código da estrada coloca frente a frente a oposição /verde/-/vermelho/, que valem para um plano, e a oposição “permitido”-“interdito”, que valem para outro).” Acrescentemos que o plano do /verde/-/vermelho/ seria o da expressão para o do plano de conteúdo do “permitido”-“interdito”.[pg. 442 do livro citado]. O que importa, portanto, não é estudar – porque é impossível fazer uma descrição ora completa ora universal – as relações internas à vinheta, mas antes as articulações entre estas. Não que não seja possível (apesar de um esforço titânico), mas não é pertinente. [os exemplos aqui mostrados são retirados da primeira história do Batman, de Gil Kane, de Pillules Blues, de Frederik Peeters, de 1001 Nights, de Hang, Seung-hee e Jeon, Jin-seok, e Mr. O, de Lewis Trondheim].

















Ora, o que nos interessará, para já, são as entidades de pleno direito: as vinhetas. [Nota: nem sempre essas unidades coincidem ou existem contornadas por um filamento, há outros tipos de “divisão” da vinheta; por outro lado, no seu interior podem exponenciar a unidade de acção, de tempo, de espaço, etc., para além da “unidade”] Elas fecham e criam uma unidade: de tempo, de acção, de espaço, de aspecto, etc. Um enunciado de banda desenhada só pode existir na multiplicidade dessas vinhetas, e é aqui que emerge de imediato o princípio que Groensteen indica como aquele que rege a banda desenhada: o princípio da solidariedade icónica.
Isto significa que, em primeiro lugar, estamos perante sequências. Uma sequência não é uma série, se entendermos esta última por um simples conjunto de elementos que partilham alguma característica comum mas sem qualquer princípio organizativo; uma sequência já apresenta (de uma forma mais ou menos clara, mais ou menos linear) um qualquer tipo de organização. Por outro lado, essas imagens são, ao mesmo tempo, separadas - daí a existência das vinhetas como unidades, e significativas - e coexistentes - por partilharem um mesmo espaço. (Veremos que esse princípio é estudado por Groensteen de dois modos: segundo o que ele chama de artrologia, isto é, os modos de articulações possíveis, e a espacio-topia, que terá a ver com distribuições. Mas uma coisa mistura-se com a outra, tornando todo este sistema num todo coeso)
Que espaços serão esses? Vejamos sucessivamente a que nos referimos como “espaço”. Antes de mais temos a vinheta, como vimos. Para, digamos, “cima e para a frente”, teremos a tira – um espaço “intermédio” -, depois a prancha, no fim o “texto” completo (que pode ocupar uma “estória”, uma “revista”, um “livro”, uma “série”, etc.). Podemos ver ainda, “para trás e para dentro”, o espaço representado no interior dessa vinheta (o espaço da história, da acção), e, ainda, o espaço reservado ao balão. Este último é uma espécie de buraco negro, porque ele não existe no espaço da acção, mas apenas é um índice quer de atribuição do discurso falado quer da inscrição do próprio discurso. Isto é, se olharmos para este exemplo de George Herrimann, do Krazy Kat [cliquem sempre sobre as pranchas para ver maior], veremos como existem placas onde está inscrito texto e vários balões... Se estivéssemos no interior daquele universo diegético, se fôssemos uma das personagens, poderíamos ver essas placas mas não os balões... estes existem apenas no espaço-tempo da acção, não da história (todos os elementos que são necessários para retratar a acção).
Pela natureza da banda desenhada, a acção é fragmentada, e é para isso que a vinheta serve em primeiro lugar, a estruturação da acção. A articulação dos materiais icónicos, linguísticos ou outros no seu interior, que sublinha a função separadora e a da leitura da vinheta (v. abaixo), é a acção da divisão da acção pretendida em momentos-chave, atribuindo-se cada um desses momentos a uma vinheta. Criam-se assim os enquadramentos. Em francês é o que se chama de “découpage”, em inglês “breakdowns”, e é o que rege, por exemplo, os storyboards, ou thumbnails, etc. [veja-se o exemplo de Batman]
Porém, estas vinhetas são depois distribuídas na prancha, ou página. Ou seja, faz-se a articulação dos enquadramentos, a partilha de um mesmo espaço (maior). Essa é a acção do arranjo da prancha, ou “mise-en-page”. [reparem-se novamente no exemplo de F. Peeters, desta feita com a prancha completa]
As vinhetas são, portanto, um “espaço” (em si mesmas e no seu interior) e um “lugar” (num espaço maior, a tira, a prancha, etc.): daí que Groensteen fale de uma estruturação espácio-tópica. Isto significa que podemos, por isso, descrever as vinhetas em si (através de um movimento de fragmentação, distribuição, dispersão), ou observar as suas coordenadas em situação (através da sua conjunção, encadeamento, repetição).
A artrologia pode ser vista a dois níveis: a um nível restrito, que se associa às relações mais elementares, lineares, entre cada vinheta (a découpage). A esse nível, é possível estabelecer uma espécie de “gramática” de relações entre cada passagem, ou transição, das vinhetas [veja-se o exercício que Groensteen faz sobre esta prancha do Corentin de Paul de Cuvelier e Jean Van Hamme; as relações podem, todavia, ultrapassar a da vinheta única, como se pode ver no exemplo de Pablo Auladell]
Há também um nível geral, das relações translineares, distantes, entrando aqui a noção de tressage (“entrelaçamento) de Groensteen, que dá conta das relações que as vinhetas podem estabelecer entre si, mesmo in absentia (“na ausência”), isto é, não no espaço de uma mesma prancha ou as duas pranchas de um livro que o olho possa abarcar de um “golpe de vista”, mas que estabelecerão de uma página para outra, fazendo-nos recordar um leit motiv, uma acção, etc. A memória do leitor tem aqui um papel preponderante, o que é um argumento imediato contra a ideia de “passividade mental” na leitura da bd. Os exemplos maiores dados desta complexidade são-nos dados com o famoso episódio “Fearful Symmetry”, de Watchmen de Alan Moore e Dave Gibbons e o álbum Nogegon dos irmãos Schuiten: em ambos os casos, existem uma capicua visual, que faz desses dois textos uma um trabalho de preciosidade e minuciosidade estrutural [aqui, as pranchas centrais do episódio de Watchmen].
Entre estas duas grandes áreas do sistema de banda desenhada (de Groensteen), a artrologia e a espácio-topia, há um modo de interacção dialógica e recursiva. Dialógica pois há “uma associação complexa de instâncias necessárias em conjunto para a existência de um fenómeno” (ou por outras palavras, sem uma dessas áreas, ou “pólos”, não teríamos a banda desenhada). Recursiva, pois são “fenómenos de interretroacção recíprocos entre as instâncias que se interregulam entre si, de modo a que os efeitos e os produtos são ao mesmo tempo causadores e produtores (produzidos)” (isto é, estão tão intricadamente interligados um ao outro que é impossível distinguir o que vem primeiro ou o que é mais importante; são ambos indispensáveis).
A especificidade da banda desenhada vive desta contínua oscilação entre imagens fragmentadas e únicas e a sua estruturação em sequência (e não me cinjo a serem organizadas em pranchas com várias vinhetas, poderá ser apenas uma imagem por página, etc.). Yves Lacroix (citado por Groensteen) resume bem essa especificidade: “a sua imobilidade fundamental, a simultaneidade e o panoptismo obrigatórios das suas unidades, ou dito doutro modo o seu estado serial”. Isto é: 1. as imagens são imóveis; 2. o nosso olho abarca todas as imagens lado a lado em primeiro lugar ao mesmo tempo; 3. depois passa a considerá-las separadamente, como que analisando-as.
Uma nota final: não se falou da narrativa. A narração não me parece ser uma condição absolutamente necessária, se entendermos por essa palavra uma estruturação formal de um número necessário de elementos narratológicos e a obrigatoriedade da existência de todos os elementos correlatos (personagem, espaço, tempo, continuidade diegética, etc.), tudo no seu sentido mais estrito e “clássico”. Porém, se entendermos a narratividade (a qualidade do narrativo) como uma capacidade de organização e de relacionamento de significados gerais da parte do leitor/espectador, ao longo de um intervalo de tempo, e que leve à inclusão de, por exemplo, um livro como o das perspectivas do Monte Fuji, de Hokusai, ou Este céu cheio de terra de Max Tilmann, então aceitarei essa ideia como sempre verificada.

Tuesday, December 05, 2006

Signos da banda desenhada.

De acordo com as lições de Saussure e de Peirce (assim como de muitos outros semiólogos, linguistas, etc.), o que poderemos dizer da banda desenhada?
Quando olhamos para uma prancha “normal” de banda desenhada, ela é composta por quadradinhos dentro dos quais estão desenhos que representam coisas que reconhecemos como existindo no mundo. Nesta prancha de Yves Chaland, reconhecemos um avião a sair de uma base secreta na montanha, pessoas, um protagonista chamado “Bob Memory” a beber num bar, a bater com força na porta da namorada, Cinthia, que não quer nada com ele, e a levar um estalo dela que até dói.
Tenho a certeza que ninguém colocará em dúvida estas informações que acabei de verbalizar em relação a esta prancha. Mas pensemos um pouco. Já alguma vez vimos um avião parecido com aquele, na realidade? Já vimos alguma base secreta a abrir portas nas montanhas como esta, na realidade? Como é que sabemos que essa personagem no bar é um homem, que se chama Bob Memory, que é o protagonista? Como sabemos que ele bate “com força” na porta? Como sabemos que a namorada se chama Cinthia? Como sabemos que o estalo doeu?
A questão do reconhecimento e da realidade não é muito claro. É óbvio que nunca vimos aviões destes na realidade, nem bases secretas, mas há todo um historial de ficção a que estamos menos ou mais habituados, onde surgem máquinas e estratagemas como estes. Reconhecemo-las de outras ficções, para já. Mas há também uma relação com os objectos que conhecemos da realidade - portas, aviões, montanhas - que nos fazem encontrar “semelhanças” nestes desenhos. Para além do mais, conhecemos provavelmente suficientes portas, montanhas e aviões para termos uma “categoria” na cabeça onde relacionaremos todos os novos objectos com que nos deparamos e associamos a essa “categoria”.
O facto de que aquela personagem é um homem deve-se aos traços do rosto, ao corte de cabelo, à roupa, à fisicalidade, mas também está associado ao facto de que sabemos chamar-se Bob, um nome masculino nas nossas sociedades; por outro lado, sabemos chamar-se Bob porque esse nome, além de estar no título acima na prancha, é dito pelo próprio e por Cinthia, e sabemos que este é o nome da rapariga porque Bob o diz também. Sabemos que ele é o protagonista, pois além de estar representado no título de uma forma destacada, é o que está nomeado nele, e é o que aparece mais vezes (8, ou 9 com o título). Sabemos que ele bate com força na porta porque as onomatopeias “Bom bom” estão inclinadas e perto dos punhos cerrados e são elas próprias letras grossas e a negro, o que nos lembrará essa força. Sabemos que o estalo doeu porque, para além do “Clac”, vemos o rosto de Bob contraído e, acima de tudo, vemos quatro estrelas a rondar o espaço da vinheta.
Todas estas coisas são mais ou menos imediatas para as pessoas da nossa cultura e que sabem/conhecem todas estas linguagens. Mas o que se passa em todo esse entendimento são coisas muito diferentes, precisamente em termos de signos.
Tudo isto far-nos-á dizer uma série de “pois é!”, confirmando-se todos estes significados, mas é preciso ir ao fundo da questão e perceber o como.
De um ponto de vista saussuriano, não podemos negar de que existe numa banda desenhada uma intencionalidade (seja esta comunicativa ou artística, outra). Mesmo que se desenhe qualquer coisa “ao acaso”, sob o efeito de drogas, da hipnose, num transe místico, etc., não se pode apagar essa intencionalidade, pois passa pela acção de um ser humano e este é sempre um ser social (se não fosse, não desenharia). Logo, o que ela apresenta são sinais. Ora desses sinais, temos símbolos (os desenhos do avião, da montanha, das pessoas) e signos (as palavras escritas). Mas o que serão, por exemplo, as estrelas? Ela parecem-se com... estrelas, mas não as representam, logo, não podem ser símbolos no sentido de Saussure. Pois são uma convenção (e mais, nascida na banda desenhada, apesar de já ter passado para a linguagem verbal: “levas que até vês estrelas!”), portanto, são um signo. E o que dizer das espirais que rondam Bob? Das linhas de movimento paralelas atrás do avião ou das mãos de Bob e Cinthia? Das gotas de água à volta da cabeça do rapazinho na primeira vinheta? Do círculo mais claro (de “luz”) do candeeiro, na quarta?
Se nos viramos para Peirce, as coisas modificam-se ligeiramente (atenção mais uma vez às palavras e suas acepções). Temos uma quantidade de signos na prancha, que se relacionarão com os seus objectos, e somos nós, os seus interpretantes, que teremos de os classificar. Ora temos ícones (sobretudo ilustrativos: as personagens, o carro, as árvores) e símbolos (as palavras, as estrelas, as espirais, ...). E índices? Existirão eles aqui?
Voltemos um pouco atrás. Recordar-se-ão dos exemplos dos sinais de trânsito. Existem sinais em que são apresentados desenhos representativos de um qualquer objecto que reconhecemos como existente no mundo. Um “carro”, por exemplo. Esse signo será, da perspectiva peirciana, um ícone, pois partilha uma “semelhança” com um carro real. Mas num sinal de “proibida a ultrapassagem”, estou seguro que não o interpretaremos como “carro vermelho à esquerda de carro preto, vistos de trás”. Não o fazemos, pois está integrado numa convenção acordada (a sinalização rodoviária), a qual nos ensina que o “vermelho” significa “não-fazer” ou “não-acção” (uma proibição) e que o círculo/tarja vermelha à volta sublinha ainda mais esse significado. É por essa convenção existir, é por nós “lermo-la” desse modo, que é possível depararmo-nos com sinais novos e entender (quase) de imediato o seu significado, mesmo que os jamais tenhamos aprendido. Como exemplo, temos aqui dois desses sinais.
No primeiro reconhecemos dois dedos segurando um cigarro, de onde sai fumo, dentro do qual flutuam três folhas da reconhecível cannabis sativa. O facto de estar dentro de um círculo vermelho leva-nos ao seu significado: “proibido fumar droga” (o sinal é holandês). Os ícones (meio-ilustrativos, meio-diagramáticos) transformam-se num todo que é um símbolo.
No segundo caso (olhem com atenção os seus elementos, não é “trânsito proibido”), entendo os círculos vermelhos como “proibição”, e um dentro do outro, a repetição do símbolo (convencional), leva a um outro símbolo, a outro significado: “proibido proibir”. [Mas aqui temos um problema. O problema está no facto de eu ter explicitado aqui, verbal e imediatamente, tratar-se de um “sinal novo”. Façam esta experiência: desenhem este símbolo tal qual, numa folha branca e mostrem a qualquer pessoa sem falar do seu contexto. O mais provável é que não adivinhem do que se trata, de não serem capazes de o “ler”, “interpretar correctamente”. Porquê? Mas apresentem o mesmo símbolo num desenho que o represente como um sinal de trânsito, numa rua, e talvez a mesma pessoa adivinhe. Porquê?].
Vejamos outro caso. Todos reconhecem o que este desenho representa. Iconicamente, vemos uma caveira humana sobre duas tíbias cruzadas; mas simbolicamente sabemos que a Jolly Roger (pois é assim que se chama a bandeira) representa a ideia de “piratas” (ou outros significados análogos). É uma convenção histórica, plenamente integrada na cultura através da ficção e dos mais variados usos correntes.
E esta imagem? O que se passa? O que “significa”? Não significa a mesma coisa que os piratas ou os corsários históricos, seguramente. O facto de estar pintado sobre uma tecla de computador faz-nos atribuir-lhe um outro significado ou vários, que pode ir desde “inseri vírus”, “abordagem informática”, “hacker”, etc. Qual a razão dessa alteração de significado, se o seu valor icónico não se alterou, nem o seu significado simbólico?
Aqui temos uma página -´cliquem para aumentar - de The Juggler of Our Lady (1953), de R.O. Blechman, baseado na história de Barnabé (existe uma versão de Anatole France). Barnabé só sabia fazer malabarismos com bolas e, por várias circunstâncias, entra num mosteiro. Quando se aproxima o Natal, todos os monges se retiram para as suas celas e trabalham conforme os seus talentos individuais para um presente à Virgem Maria. Esta página representa esse momento de labuta individual e intensa. Temos uma representação icónica-diagramática das portas das celas; por cima, as frases (símbolos) indicam-nos as funções exactas dos monges. “Saindo” das portas, graças a uma linha de pontinhos – que aceitamos ser uma convenção, símbolo portanto, deíctico e de “movimento” – saem signos que representam essas mesmas actividades. Icónicos, estão apenas as nuvens de fumo do cozinheiro (não é um índice, porque é um desenho, isto é, um ícone ilustrativo de fumo, que por sua vez, na realidade, é um índice de “lume”), e talvez as pedrinhas que saltam da cela do escultor; na forma de palavras (símbolos), vemos aquelas que representam sons (nos casos do escritor, do escultor, e do pintor), as que representam significados verdadeiramente verbais (com o poeta); outros símbolos são as notas musicais (do compositor) e os pontos de interrogação de Barnabé, que “não sabe o que fazer”. Quer dizer, há uma profusão de signos, mas dependendo muito do uso (mais, do espaço em que se encontram), os seus significados primeiros alteram-se. Se as notas estivessem numa pauta, significavam algo mais de concreto do que nesta prancha; se a palavra “chip” estivesse sobre um passarinho, seria um pio, se estivesse num texto em inglês sobre póquer, significaria “ficha”, se sobre informática, um microprocessador, etc., etc.













Como vimos anteriormente, os símbolos (de Peirce), sendo uma convenção, estão associados a uma comunidade interpretativa determinada. Na banda desenhada, há muitas instâncias em que se denotarão diferenças conforme os usos. Na primeira destas vinhetas (de Frank Quitely, no recente título Superman escrito por Grant Morrison), as gotas na cara de Lex Luthor são icónicas, e representam “suor”, na segunda (idem) são “água do mar” a pingar do Super-homem. Na terceira imagem (de Griffu, de Jacques Tardi), a personagem que vemos está “mesmo” a sangrar do nariz. Mas na quarta imagem (de Minoru Furuya, da louca série sobre jogadores de ping-pong Let’s go!), e em conformidade com as convenções humorísticas da banda desenhada japonesa, quer as “lágrimas” quer o “sangue” que sai do nariz não são “isso mesmo”, mas antes símbolos da concupiscência, da excitação sexual perante uma mulher. A diferença está na convenção, e não no signo propriamente dito. Isto é, ele pode coincidir, mas o contexto, ou melhor, a comunidade de interpretantes, é que decide se está perante um ícone ou se perante um símbolo. Se lermos no caso da mangá o sangue como “real”, será algo confuso não existir mais nenhuma informação (verbal, icónica ou outra) sobre esse derrame nas vinhetas seguintes... Porque estaríamos a “interpretar mal” essa convenção. Quando as personagens da banda desenhada ocidental dormem, poderá aparecer um tronco a ser serrado por cima delas... mas não interpretamos isso como “tronco sendo serrado a flutuar por cima da personagem”! É uma convenção, um símbolo, significando“ressonar”...
Como podemos ver nesta vinheta de Astérix entre os Godos (escrito por Goscinny e desenhado por Uderzo), dentro do balão do chefe encontramos uma suástica, uma caveira com um capacete de “boche”, um ponto de interrogação “gótico”, o que parece ser uma explosão, um dente solto, uma espiral quadrada e um sinal gráfico). Para além da divertida “tradução” para gaulês na nota de rodapé, nós traduzimo-los também. Mas nenhum desses signos assume o seu valor ou icónico (os casos da caveira ou do dente, por exemplo), ou que assumem na comunicação escrita (o ponto de interrogação), ou simbólico (agora no sentido de Saussure, cultural; como a suástica). No interior do balão, e neste contexto particular, todos eles se tornam símbolos (Peirce) cujo significado, mesmo geral, é o de vários “palavrões” (que preenchemos conforme a nossa inventabilidade e educação). Aliás, se se preenchesse esse balão com palavrões explícitos e verbais, o humor seria erradicado, provocando no leitor um outro efeito qualquer (a menos que se ache mesmo piada ao simples facto de dizer palavrões, claro). O contexto, aqui, é extremamente importante. Nestes casos (como no caso anterior da vinheta de Furuya), ser banda desenhada é o que dita a sua interpretação “correcta”. Mais ainda... o balão. O balão é a quintessência do simbólico, no sentido de Peirce, na banda desenhada. Nunca o vemos como uma massa branca a flutuar da boca das personagens, mas uma convenção que estabelece o “espaço de discurso” e a sua atribuição.
O facto de existir essa contextualização é, portanto, importante. Digamos que é esse contexto que dita as regras interpretativas, o espaço possível de interpretação aos interpretantes. Como nesta série de Blechman (mais uma vez, é melhor aumentarem), os desenhos solitariamente talvez não significassem grande coisa e não assumissem nem os seus significados nem a sua piada; é por estarem em relação uns com os outros que o significado de cada coração (já de si um ícone diagramático!) assume um significado “certeiro”, como se se tivessem criado no interior desta prancha as regras que nos permitem interpretar o código simbólico que é respeitado. É por isso que o sinal de “proibido proibir” poderá não fazer sentido se apresentado tal qual, a frio, e numa sua contextualização nos leva a dizer, “ai, pois é!”.
É por isso que a Jolly Roger, desenhada numa tecla de computador, passa a assumir um significado (simbólico) diferente do anterior (na bandeira). É por isso que uma suástica e uma espiral assumem o significado de “palavrões” no interior de um balão de banda desenhada. É por isso que o balão assume o significado de “fala” numa banda desenhada. É por isso que Bob Memory assume o significado de “protagonista” na prancha apresentada. É por isso que as estrelas assumem o significado de “dói mesmo!” naquela vinheta. É por isso que o sinal de “curva à direita” estabelece uma relação parcialmente de ícone com a curva à direita que vem logo a seguir... A essa contextualização, ao estabelecimento de uma relação directa do signo com um determinado espaço (a curva na estrada, o balão, a vinheta, a prancha de banda desenhada) para que assuma o seu significado, poderemos dar o nome de indexação. É aí que existem os índices na banda desenhada. Estão em relação directa com a banda desenhada, propriamente dita, euquanto objecto-que-causa. Fora desse contexto, a estrela pode ser simplesmente uma “estrela”, ou um grau de “qualidade” numa secção sobre cinema numa revista, a suástica assume os seus vários significados (para o nazi, o navajo, o budista, o artista), a gota de suor é uma gota somente... Sejam ícones (a personagem, a caveira, o fumo, o sangue no nariz) ou sejam símbolos (a espiral, as palavras “clac” e “Bob”, o ponto de interrogação), ao serem indexadas na banda desenhada, passam a assumir o seu “exacto e “correcto” significado (respectivamente mas conforme os casos: “personagem principal”, “palavrão”, “cozinha-se”, “concupiscência”, “bebedeira”, “onomatopeia de um estalo”, “nome da personagem”, “dúvida”...).
Penso, por isso, que existem ícones, símbolos e índices (segundo Peirce, não fará mal insistir), de uma forma implicada e intricada, na banda desenhada.
Não quero dizer com isto que Saussure é “inferior” a Peirce, o que as teorias da semiose deste último são mais aptas a explicar a banda desenhada enquanto linguagem. Não tenho os poderes para isso sequer. Simplesmente quero sublinhar o modo como se poderão utilizar ambas as teorias para poder entender o que se pode passar na banda desenhada enquanto sistema de signos. A conclusão a que podemos chegar neste patamar é que, seja de um ponto de vista ou doutro, a verdade é que ocorrem todos os tipos de signos no interior da banda desenhada. Isso, só por si, mostra mais uma vez o carácter misto desta arte. Não é que tal situação não ocorra noutras artes (como o cinema), mas enquanto que na pintura, por exemplo, há uma predominância do icónico (passe a pintura abstracta, mas mesmo Malévitch ou Mondrian pretendiam uma representação signíca do mundo, ainda que para além da visão “normal”, e Pollock queria fazer "representar" os seus movimentos) e na literatura do simbólico (Peirce), na banda desenhada todos eles têm de ocorrer para ela se tornar a si mesma.
Mas, já sabemos que estas coisas são como os comboios, que podem esconder outro.
O que quer isto dizer?
Onde se encaixarão estas questões?

Sunday, December 03, 2006

Saussure & Peirce.

Muitas vezes, falar-se-á de uma arte, da escultura ou da música ou da banda desenhada, como sendo uma linguagem. Mas o que se quererá dizer com isso? Que implicações terá essa afirmação, essa expressão? Será apenas uma metáfora ou cobrir-se-á de um sentido mais profundo, relevante e útil?
Um ponto de partida é dizer que a linguagem é um sistema de signos. Ora, à disciplina que se dedica ao estudo dos signos dá-se o nome de semiologia (se se seguir a regra francesa, e as lições e teoria de Ferdinand de Saussure, à esquerda) ou semiótica (se se seguir a regra anglófona, e as lições e noções de Charles Sander Peirce, à direita). Antes de avançarmos, é preciso fazer um pequeno aviso à navegação. Infelizmente, como é a língua (sistema verbal) o sistema semiológico que foi (é) o mais estudado e o mais fácil (?) de estruturar, acabou por se tornar uma espécie de modelo déspota para todas as outras linguagens, inclusive a visual, que não funciona, não poderá de algum modo funcionar da mesma maneira. Para já, pois as representações visuais não são finitas, como acontece na língua, por mais rica, diversificada e viva que ela seja. Não é um sistema fechado. No entanto, termos em conta algumas das noções que nasceram no interior dessa disciplina poder-nos-ão ajudar a compreender outras realidades (como a da banda desenhada), mesmo que seja para nos livrarmos dela assim que pudermos. Mas para quebrar as regras, ou ultrapassá-las, temos de as estudar.
Saussure e Peirce, os dois maiores nomes e fundadores, diferenciados e diferenciantes, deste ramo do saber, concordavam num aspecto: o signo é um elemento x que representa um elemento y. Mas o modo como essa representação era feita já é matéria de disputa (e complicada, porque as palavras são iguais mas referindo-se a coisas e ideias diferentes). Peirce, dentro da sua filosofia do Pragmatismo, terá de acrescentar uma peça fundamental nessa noção: “um signo é um elemento x que representa um elemento y para alguém”. Além do mais, as sub-divisões dos signos diferem bastante. Vejamos.
1. Para Ferdinand de Saussure é importante a intencionalidade de comunicação. Existem “Signos” num sentido lato, e a primeira divisão é se esses signos, se essas representações, o são por uma intenção ou não. Todos nós concordaremos que uma nuvem carregada e negra significa “trovoada” ou pelo menos “chuva”, que uma pegada de um animal no chão significa que “esse animal passou por ali”, que uma mancha negra em torno do olho significa “levou um soco”. O soco e a passagem do animal podem ter sido feitas de modo intencional, mas não a mancha nem a pegada e muito menos o seu “significado”. Quando não existe essa intenção, fala-se, de acordo com Saussure, de índice. Todos os índices não fazem parte da ciência dos signos, isto é, a semiologia; interessam antes a outras disciplinas do saber (nos exemplos dados, interessarão à meteorologia, à zoologia ou a um caçador, a um médico ou a um polícia). Se existe intenção de comunicação, fala-se de sinal. Este último ainda se sub-divide, pelo tipo de relação. Se num sinal a forma x estabelece uma relação natural com o elemento y, fala-se de símbolo, ainda que esteja relacionado com uma dada cultura. Por exemplo, existe uma relação natural entre o sinal de trânsito “curva perigosa” e a curva respectiva, entre um desenho de uma ferramenta numa prateleira onde se colocará a ferramenta respectiva: ambos são símbolos. Em princípio, qualquer pessoa de qualquer cultura entenderia a função do desenho da ferramenta, mas a do sinal de trânsito talvez não. Não deixam de ser símbolos. Mas se não existir essa relação natural, e estivermos perante uma convenção, então passamos a falar de signos, num sentido mais estrito. O sistema de bandeiras da praia, o sinal de trânsito de “Stop” ou de “perda de prioridade”, o código Morse, a língua, uma cruz vermelha numa braçadeira ou outra feita de crepe negro, tudo isto são signos.
[Mas aqui faz-se uma pergunta: num sinal de trânsito como este, “proibido ultrapassar”, não haverá um cruzamento entre símbolo (os carros) e signo (a tarja vermelha significando “proibição”)?]
Aqui uma distinção importante é desencadeada, entre signos linguísticos e não-linguísticos, não só pela natureza dos seus signos específicos como pela sua “dupla articulação” (sendo a articulação um conceito de um outro autor, mais tardio, chamado André Martinet). Nos signos linguísticos, Saussure via uma relação binária entre um significante (o material que significa/faz significado, a forma sonora e/ou escrita) e um significado (a ideia, o conceito, a ideia mental, o conteúdo semântico que significa/é significada – Saussure nunca explicitou muito bem esta parte). Essa relação é impossível de destrinçar, e, nas palavras de Saussure, é “arbitrária e necessária”. Arbitrária, porque a “cola” que une o significante ao significado não tem qualquer relação natural ou interno, não tem razão nenhuma de ser, por assim dizer: por isso a ideia de pato em português é “pato” (as letras p-a-t-o; os sons – apesar de não utilizar aqui os sinais fonéticos - p-a-t-o), em inglês “duck” e em coreano “ôri”. Mas o sistema dessas convenções é estrutura social em relação a uma dada comunidade que partilha esse sistema, que impõe esse sistema, e é por isso que é necessária. A esse sistema, de regras afinal, dá-se o nome de língua.
Para além disso, a língua possui dupla articulação. A primeira articulação da linguagem (qualquer linguagem, para já) é a que estrutura o enunciado (o que é “dito”) em unidades significativas mínimas, quer dizer, a unidade mais pequena que tem forma/significante e sentido/significado (na língua, e fiquemo-nos por aqui, pois poder-se-á complexificar mais, são as palavras). A segunda articulação da linguagem é a que estrutura essas unidades significativas a partir de unidades distintas, i.e., que distinguimos de outras diferentes, mas já sem significado (na língua, são os sons ou as letras). O eixo em que a primeira articulação funciona é o sintagmático (um eixo horizontal, a frase, no qual as palavras estabelecem relações para construir enunciados com significado; as unidades estão em presença umas das outras), o da segunda articulação é o paradigmático (Saussure falava de “associativo”, mas o estruturalismo, uma outra escola da linguística, veio trocar e aprofundar algumas ideias; é o eixo vertical no qual entendemos que se substituirmos p- por r- em pato, já teremos um significado diferente ou em que sabemos poderíamos comutar uma das unidades por outra, unidade ausente). Diz-se que os códigos com dupla articulação são “económicos”, pois conseguem com um mínimo número de unidades atingir um grande número de combinações significativas. No entanto, desses “códigos” só se concorda com a existência de um: a linguagem (ou línguas) humana.
No entanto, existem códigos semióticos, sistemas, que apenas têm a primeira articulação, no sentido em que apenas têm unidades mínimas de significado que não são feitas de elementos menores, de unidades distintas, digamos, substituíveis. A infografia dos WCs, das modalidades olímpicas, os símbolos que encontramos na roupa (lavagem, etc.), o canto dos pássaros (que repetem “temas”), os números dos hotéis ou das carruagens dos comboios (quando 11 significa respectivamente “1º quarto do 1º andar” ou “1ª carruagem da 1ª classe”), e os sinais de trânsito são alguns dos exemplos desses códigos semióticos de primeira articulação somente. Alguns autores defendem que códigos como o cinema, a fotografia e até a narrativa (entre outros, e a banda desenhada, como veremos com Groensteen), apesar de terem unidades relativamente combinatórias – linhas, pontos, manchas, etc. –, essas mesmas unidades não são independentes, logo não têm segunda articulação, apenas primeira. Quer dizer, não posso pegar numa dessas unidades abstractas (o círculo que faz a maçaneta da porta desta prancha de François Ayroles, p.ex.) e verificar a mesma entidade (significado), num contexto diferente (como olho de uma personagem?). Há, porém, autores que defendem o contrário, e que apontam a possibilidade de uma sintaxe visual, como o Grupo μ. Para além disso, e esta ideia é retirada de Christian Metz, um outro semiólogo importante do cinema, estes códigos (artísticos) empregam “signos motivados” e não “arbitrários”, logo não têm o segundo eixo.
[Outra pergunta: ao confrontar estes três sinais, “proibido virar à direita”, “curva perigosa” e “obrigatório virar à direita”, não poderia dizer que as tarjas, as cores e as formas são comutáveis? Logo, que estaríamos perante a dupla articulação?]
Há ainda códigos que apenas têm segunda articulação, ou seja, em que o significado dos seus signos não é estruturado pelas unidades que os compõem, que são meramente funcionais. O mais famoso é o código binário (se forem o Neo, olhem para o ecrã com atenção, que o contemplarão). As bibliotecas usam também um código análogo, o CDU (Classificação Decimal Universal), que é hierárquico e serial.
Existem ainda códigos sem articulação, em que a associação entre um elemento x e um elemento y não é recorrente, mas apenas pertinente num contexto muito limitado. As inúmeras correlações entre signos do Zodíaco e pedras preciosas, números, cores, plantas, etc., são um código dessa espécie.
Nota: A obra fundamental de Saussure é Curso de Linguística Geral, de 1916, traduzido em português pela D. Quixote.
2. Para Peirce, a questão não está na comunicabilidade, na intenção de comunicar, logo na construção artificial do signo. Recordem-se do “acrescento”: para alguém. Não há um relação binária, na semiose de Peirce, sendo esta antes “uma acção, uma influência que seja ou coenvolva uma cooperação de três sujeitos, como por exemplo um signo, o seu objecto e o seu interpretante”. Nenhum destes três sujeitos, entenda-se, tem de ser obrigatoriamente humano, mas antes entidades abstractas. A relação entre o signo (aquilo que está em lugar de outra coisa, que a representa, x) e o objecto (a coisa que é representada pelo signo, y) pode não o ser por uma qualquer relação comunicativa directa e concreta, mas porque alguém, o interpretante, medeia essa relação como tal. Por exemplo, acima, na perspectiva sassureana (e terminologia, que coincide nas palavras mas não nas noções com a peirciana), a “nuvem carregada” não era um signo, mas um índice, pois não existia intenção de comunicar. Mas nós, humanos preocupados com a chuva, olhamos a nuvem como representando a chuvada (que aí vem); não há emitente humano, mas há destinatário humano. O interpretante (humano) estabelece a relação ente um signo (nuvem carregada) e um objecto (chuvada). Ou seja, da perspectiva peirciana, há um signo.
A classificação de Peirce dos signos é extensa (primeiro 10, no fim 66) e complexa (e cheia de nomes esquisitos e sub-divisões), mas para o que nos interessa, simplificarei e falarei apenas da divisão mais famosa (e pequenas sub-divisões), que se refere apenas à relação entre os signos e os seus objectos, a saber, os ícones, os índices, e os símbolos (tomem atenção, pois não significam o mesmo que antes, na parte de Saussure, e muito menos os seus significados mais correntes).
Um ícone é um signo que tem alguma semelhança (ou “parecença”) com o seu objecto. Os signos mais fáceis de entender nesta relação são os desenhos e as pinturas que representam algo que conhecemos na realidade (uma pessoa determinada, uma árvore); ainda uma equação algébrica também é um ícone, pois “mostra” as relações das quantidades indicadas. Mais, não é necessário que o objecto exista na realidade, pois estará integrado naquilo que Peirce chamou de “ground” (um “fundo”, em português), que como que estabelece as regras para a sua existência: por isso aceitamos o Tintin representar o Tintin, apesar de o Tintin não ser mais que uma personagem de banda desenhada, e não existir na realidade (ainda que recorde este ou aquela jovem homem real).
Um ícone pode ainda ser ilustrativo (Peirce diz “imagem”; é quando há uma partilha de elementos sensoriais: a imagem de uma árvore), diagramático (quando se partilha uma estrutura: o desenho de uma linha vertical e um círculo no topo para representar uma árvore) ou metafórico (quando a partilha é de uma qualidade: dizemos que a temperatura “sobe” porque o mercúrio sobe no termómetro).
Um índice é um signo cuja relação com o objecto é directa, ora por o objecto ser a causa do signo (como nos exemplos do fumo como signo de “fogo”, o som de alguém a bater à porta significar “alguém à porta”, e, claro, a nossa nuvem carregada) ou a consequência (as pegadas de um animal, um nariz vermelho poder significar “constipação” ou “bebedeira”, o corar representar “vergonha”). É algo que nos prende a atenção e faz procurar a associação directa.
Um índice pode ser um traço (algo que tem uma relação física com o objecto mas não é simultâneo ao signo, “já passou”, como as pegadas, ou “virá”, como as nuvens), um sintoma (que é simultâneo ao objecto, como o fumo), ou ainda designações (algo que é distinto do objecto, mas aponta para ele, designa-o, como os nomes próprios, os deícticos verbais – as palavras “isto”, “aquilo”, “assim”, etc. – o dedo apontando...).
Finalmente, um símbolo é um signo que representa o objecto graça a uma convenção. Ora esta ideia é precisamente oposta à de Saussure, como vimos (por isso é preciso tomar atenção para saber em que acepção dado termo é utilizado, nem sempre as palavras são usadas da mesma maneira nem para dizer o mesmo). A acção que une o signo ao seu objecto é fruto de uma convenção, arbitrária e acordada entre determinada comunidade, uma regra sistemática (uma linguagem), e o primeiro apenas denota o segundo por decisão do interpretante. Sem este, não se estabelece qualquer associação, por exemplo, entre a palavra “pato” e o animal que conhecemos com esse nome, a cruz e a figura de Jesus Cristo, a Cristandade, etc. A grande e imediata família a pensar é a língua(s) humana(s). Mas todos os sinais matemáticos, símbolos religiosos, os animais para representar nações, clubes de futebol, etc., também fazem parte dos símbolos. Os símbolos, fazendo parte de uma convenção associada a uma determinada comunidade, podem significar diferentes objectos entre comunidades de interpretantes diferentes. O exemplo mais famoso é o da suástica, que significará coisas diferentes se formos um budista, um Navajo, um Nazi, ou o ManWoman.
[Colocamos aqui uma questão. As setas que indicam uma direcção serão um ícone, uma vez que poderão ter alguma semelhança com a ideia de direcção? Ou serão antes um símbolo, nesta última acepção? O sinal informativo dos bombeiros é um ícone, mesmo que não se pareça em nada com um carro de bombeiros que conheçamos? O sinal de “rotunda” é um símbolo, convencional, mesmo se se parece de facto com uma rotunda (ou a sua direcção geral)?]
Em suma, numa distribuição de importâncias, se isso for possível (lembremo-nos que a relação triádica é fundamental na perspectiva de Peirce), poderemos dizer que no ícone o mais importante é o próprio signo (neles reside uma semelhança física com o significado), no índice é o objecto (com o qual o signo estabelece uma correlação directa), no símbolo o interpretante (que é quem constrói o significado entre signo e objecto). Nenhum deles pode existir sem os três se relacionarem entre si, mas é em cada um desses elementos que há um maior peso, por assim dizer.
A pergunta, depois desta apresentação e resumo (redução drástica) dupla, é: que tipo de signos existirão na banda desenhada?